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8 de janeiro de 2016

Alfredo Bello - guardião das sonoridades brasileiras, por um mundo melhor...


Alfredo Bello não é artesão. Mas, enquanto músico, faz um trabalho que poderia ser comparado ao de um mestre em marchetaria ou na arte dos mosaicos. Recolhendo e unindo "pedaços" pontuais de um material vasto e riquíssimo, ele acaba por revelar os retratos sonoros do nosso Brasil.

Alfredo visita diversas "quebradas" do país e grava eventos musicais que, em princípio, estariam restritos apenas ao círculo da tradição oral, sem nenhum registro senão aquele da memória ou da vivência dos indivíduos dessa ou daquela comunidade. Sim, eu sei, muita gente já fez ou faz isso, a torto e direito, Brasil adentro ou Brasil afora... Mas a maneira como o Alfredo faz isso, porque despretensiosa, é cativanterespeitosa e especial...

Já conhecia o trabalho dele por conta do seu selo, Mundo Melhor, que lança cds com os registros por ele captados do universo musical de diversas tradições populares do Brasil. Já tinha alguns inclusive na minha coleção. Muito bons, aliás... Banda de Pife Princesa do Agreste de Caruaru, Afoxé Oyá Alaxé, Guarda de Moçambique da Nova Gameleira... só para citar alguns.

(Guarda de Moçambique??? Parêntese rapidinho aqui para explicar alguns termos que serão usados nesta postagem para os menos familiarizados com algumas manifestações da cultura popular: GUARDA é o nome dado ao grupo de pessoas que forma um "cortejo cantante" dentro das manifestações conhecidas como Congado, ou Congada - ou ainda, como é mais comumente referido entre os próprios participantes dessas manifestações: Reinado - muito difundidas sobretudo, mas não somente, no sudeste do Brasil. Dentro desses Reinados é comum existirem duas guardas: a de moçambique (que entoa cânticos mais solenes e é formada pelos mais velhos) e a de congo (mais alegre e ligeira e geralmente formada pelas pessoas mais jovens da comunidade). Neste post aqui eu explico mais sobre o assunto). 

E então, um dia, em 2011, visitando a festa de São Benedito em Aparecida do Norte (SP), uma festa linda que reúne centenas de guardas de congo e moçambique vindas de outras cidades de São Paulo, de Minas Gerais e do Espírito Santo, eu e meu marido resolvemos parar em frente à igreja do Santo Negro para ver melhor a movimentação dos grupos que ali paravam para cantar antes de entrar na igreja. Dali teríamos condições de fazer boas fotos do evento... Foi quando uma voz muito firme nos chamou: "ei, casal!"

Alfredo Bello, guardião e disseminador das sonoridades brasileiras
Detalhe: Mastro e Guarda de Congo da Irmandade N. Sra. do Rosário de Justinópolis/MG entrando na Igreja.
Festa de São Benedito em Aparecida do Norte/SP, abril de 2011 - Fotos: Simone dos Santos


Buscamos com o olhar quem chamava. Era um cara sentado no meio-fio, arrumando um monte de cds numa caixinha. Perguntou: "vocês não querem comprar um cd com várias guardas que visitam a festa?" e nos estendeu a mão mostrando o cd. Pegamos pra ver e reconhecemos o selo Mundo Melhor. Eu disse, surpresa: "Que legal! A gente tem um monte de cds dessa série! A gente gosta muito!"

Ele sorriu e disse: "Sou eu que faço".

Não dava pra acreditar. O cara que fazia aqueles registros que a gente tanto admirava, o cara que a gente até já tinha visto em outras festas (só então o cérebro fez a "conexão"!) carregando uma tralha tecnológica sozinho (gravador pendurado no ombro, fones no ouvido, microfones suspensos por uma vara gigante, filmadora na barriga), andando de costas para seguir cortejos captando o melhor som possível (um louco!), fazendo fotos com uma mão, segurando o mic com a outra, ajustando a equalização do gravador, tudoaomesmotempoagora, esse cara estava ali, sentado no chão, no meio dum monte de gente, barraquinhas de doces, crianças correndo, guardas, tambores..., estava pacatamente ali no chão ajeitando seus cds numa caixinha de papelão e nos abordando daquela maneira. Explicou, então, que viera para a festa a fim de reencontrar os grupos de quem fizera aquele registro para entregar, a cada um, a sua cota em cds, uma espécie de contrapartida...

O Alfredo faz tudo sozinho. Ele vai dizer que não, afinal, está cercado de amigos que contribuem como podem. Mas a "locomotiva", o "carvão", a "máquina" que faz mover esse projeto é ele. É dono do selo Mundo Melhor, visita centenas de grupos que preservam as tradições musicais do Brasil e faz os registros e lança em cds, dá palestras, é DJ, pesquisador, contrabaixista, compositor e produtor, tem banda...  Em 2014 eu e meu marido fomos a um show que ele fez no Rio de Janeiro e eu não me lembro de ter dançado tanto nos últimos anos como naquela noite!

Depois daquele primeiro contato na Festa de São Benedito, acabamos encontrando com o Alfredo em outros festejos populares, sempre por acaso. E passamos a nos falar sempre. Nunca nada combinado, sempre de supetão! Já teve ocasião de estarmos distraídos e, de repente, ouvirmos uma voz já familiar nos chamando: "Ei! Casal!"... E é sempre uma alegria imensa poder revê-lo! Faz bem ao coração!

Porque o Alfredo é um cara que vibra numa frequência diferente das pessoas ditas "normais". Afinal, um cara que consegue fazer tanta coisa ao mesmo tempo, que se dispõe com tanta entrega e paixão a registrar por recursos e esforço próprios (muitas vezes sem nenhum apoio ou patrocínio) o que o Brasil tem de mais rico - que é a beleza mais pura das manifestações de alegria e fé do seu povo; um cara que "ENTRA" tendo todo o carinho e respeito das comunidades que o recebem e o aceitam; um cara que está inventariando um legado de imensurável valor cultural... (isso sem contabilizar aqui o fato de ele fazer tudo isso e também andar de costas!), esse cara não poderia ser um cara normal!
 
O Alfredo é um louco. Desses loucos queridos, dos quais somos tão carentes e dos quais o mundo precisa tanto que existam mais e mais para poder se transformar finalmente (e plenamente!) no Mundo Melhor por que tanto ansiamos!


Alfredo Bello, guardião e disseminador das sonoridades brasileiras
Alfredo paramentado e em ação - Festas de Agosto, 2013, Montes Claros (MG) - Foto: Simone dos Santos.

Conheça e se apaixone pelas facetas desse louco desbravador, admirável guardião e incansável disseminador da música e das sonoridades do Brasil e do Mundo!


E aqui: DJ Tudo



Guarda de Moçambique Nossa Senhora da Conceição de Sete Lagoas - MG

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4 comentários:

  1. É um belo texto, Simone! Emocionante, faz jus ao trabalho do Alfredo Bello.

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    1. Pois é, Daniella, é de tirar o chapéu o trabalho desse menino, né não? Obrigada por comentar aqui ;)

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  2. Olá, Simone. Descobri quem é o autor de um lotes de peças que comprei aqui no seu em seu blog. Parabéns

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